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Compliance, esse animal desconhecido.
Sérgio Varella Bruna
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Vivemos tempos conturbados, de muita instabilidade institucional. A cada manhã, sentimo-nos incapazes de saber como terminará o dia frente às constantes notícias que muitas vezes nos levam à desesperança e refletimos quanto à possibilidade de encontrarmos uma saída para a crise política e moral que atravessamos. Embora não saibamos o que acontecerá no curto prazo, é possível ter segurança de que o país jamais será o mesmo.

A crise tem levado inúmeras empresas a acordar para a necessidade de adotarem políticas de conformidade visando evitar infrações à lei. No jargão, os programas de compliance. Muito se diz, porém, pouco se sabe a respeito.

Mas, afinal o que é compliance? Genericamente, a adoção de um programa de compliance abrange a instituição pela empresa de uma política interna visando à prevenção de práticas contrárias à legislação. Um programa dessa índole, portanto, não se esgota numa atitude isolada, ou numa declaração de boas intenções da chefia aos funcionários.

Cuida-se, ao revés, da implantação de um verdadeiro “sistema”, ajustado às características específicas de cada negócio, no qual são combinadas diversas ferramentas de trabalho, como sessões de treinamento, materiais gráficos de apoio, regras disciplinares, procedimentos de fiscalização, instituição de políticas de retenção de documentos, adoção de relatórios internos, dentre outras. 

Trata-se, desse modo, de um programa coordenado de atividades de prevenção de condutas ilícitas, que deve começar pelas políticas internas mais elementares. O primeiro passo, em geral, é a criação de um código de ética.

Qualquer programa somente será eficaz se inserido dentro de um comprometimento maior da empresa em “cumprir as leis em geral”. Por mais poético que isso possa parecer, é comum encontrar esse comprometimento nas grandes organizações, que muitas vezes o contemplam expressamente em seus códigos de conduta e em suas políticas internas. Essa, aliás, é uma regra de prudência para as grandes empresas, haja vista que seria total o descontrole, se cada um dos funcionários se julgasse no direito de violar a lei como bem entendesse.

Mas a abrangência desse objetivo não elimina a necessidade de se estabelecer ênfase em algumas questões, como ocorre na maioria dos programas. É frequente a concentração de esforços em temas como a prevenção de violações à legislação anticorrupção, ao direito antitruste, a negociações em conflito de interesses, aceitação e oferta de brindes e hospitalidades, práticas indevidas no ambiente de trabalho, entre outros.

Em primeiro lugar, é requisito indispensável ao sucesso do programa não só o envolvimento, como o comprometimento da mais alta administração da empresa, para com a seriedade dos esforços compreendidos no seu âmbito. Administradores devem dar sinais claros e inequívocos de que pretendem exigir de seus subordinados o cumprimento das políticas de prevenção e de que irão, eles mesmos, respeitá-las, já que o bom exemplo é uma ferramenta poderosa de ensino. O respeito às leis deve tornar-se um dos valores fundamentais da empresa.

Sem esse comprometimento, qualquer programa é um esforço inútil e um desperdício de recursos. Pior do que isso, pode gerar o resultado inverso ao desejado, porque a desmotivação e o descrédito podem ensejar comportamentos exatamente opostos àquilo que um programa ridicularizado preconiza.

É preciso deixar claro que um programa dessa espécie não se destina a prover treinamento aos funcionários da empresa sobre como violar a legislação sem serem apanhados. Fosse esse o propósito do programa, certamente acabaria ele fomentando — e não prevenindo — a prática de delitos. De fato, seria mesmo imprudente incentivar funcionários de médio escalão, muitas vezes remunerados proporcionalmente aos resultados obtidos, a caminhar nos limiares da legalidade. Acidentes indesejáveis seriam inevitáveis.

Por outro lado, cada empresa possui suas próprias necessidades, em razão do que não há programas prêt-à-porter. Por isso, antes de mais nada, o programa deve ser precedido do levantamento das peculiaridades da empresa, especialmente no que diz respeito às áreas de maior risco. Cada empresa possui suas próprias características e demanda um programa sob medida, adaptado às suas necessidades específicas.

A empresa que implantar um programa de compliance deve estar disposta a fiscalizar seu efetivo cumprimento, bem como a impor punições a todos aqueles que faltarem com os deveres estabelecidos. Deve, portanto, ser admitida de antemão a possibilidade de imposição de sanções, que podem chegar à dispensa de funcionários, em razão de violações do programa. Trata-se de mensagem que deve ser clara e inequivocamente comunicada a todos que integrarem o programa.

As diretrizes do programa devem ser comunicadas a seus destinatários— os funcionários da empresa — através de sessões de treinamento e de materiais de apoio.

As sessões de treinamento devem prover aos participantes conhecimentos básicos sobre aspectos legais dos principais riscos que tenham sido identificados, por meio de apresentações audiovisuais, formação de grupos de trabalho, estudos de casos, entre outros. O treinamento deve ser realizado quando da implantação do programa e, depois disso, periodicamente, a cada um ou dois anos, sem prejuízo de virem a ser repetidos sempre que as circunstâncias do momento o exigirem.

Também é prudente que os novos funcionários, admitidos após a implantação do programa, recebam treinamento quando do início dos trabalhos, para evitar qualquer descompasso em relação ao restante do pessoal. Ademais, é extremamente proveitoso que os mais altos administradores compareçam às sessões de treinamento, de molde a prestigiar o programa, demonstrando a todos os funcionários, de forma clara e inequívoca, o empenho dos líderes da empresa quanto ao sucesso da iniciativa.

Os programas normalmente compreendem, também, a distribuição de materiais de apoio, especialmente manuais contendo explicações gerais sobre as políticas adotadas, bem como sobre as rotinas a serem observadas. É recomendável que os manuais sejam preparados apenas após a implantação do programa e depois de realizada a primeira rodada de treinamento, a fim de que seja possível incorporar no documento as respostas às principais dúvidas e questões levantadas durante as sessões, adaptando, assim, o conteúdo do manual às reais necessidades da empresa.

Finalmente, deve haver fiscalização efetiva quanto ao cumprimento das regras preconizadas pelo programa. Auditorias periódicas e a criação de canais para a apresentação de denúncias são instrumentos comumente utilizados para esse fim.

Os benefícios que um bom programa de compliance pode oferecer são muitos. Vai aqui um resumo:

A prática de violações à lei pode dar ensejo a ações judiciais para reparação civil dos danos causados. Além disso, a empresa pode ser vir impedida de contratar com o Poder Público, ou receber incentivos ou financiamentos oficiais. A implantação de um programa de compliance efetivo é capaz de reduzir o número de infrações, facilitando a defesa em da empresa contra acusações que possa vir a enfrentar, de modo a aumentar as possibilidades de sucesso em tais demandas.

Qualquer um que já se tenha envolvido num processo em que pesem contra a empresa acusações de corrupção ou de prática de cartel pode atestar a gigantesca dimensão dos esforços necessários a uma defesa bem-sucedida. Durante o curso do processo, é frequente o profundo envolvimento da mais alta administração nas atividades de defesa, o que resulta no afastamento de tais executivos da gestão direta dos negócios. Presumivelmente, é esse o tempo mais qualificado da empresa e o mais capaz de agregar valor na tarefa de gerar lucros operacionais. Sem sombra de dúvida, trata-se de um gasto que não se contabiliza e que também não pode ser indenizado, mesmo no caso de a empresa vir a ser absolvida quanto à prática questionada.

A experiência atual de nosso país é eloquente quanto ao especial interesse da imprensa em processos envolvendo corrupção, cartéis ou fraudes à licitação. Cuida-se, normalmente, de questões envolvendo grandes empresas, que atraem a opinião pública e que, por isso são objeto de ampla cobertura jornalística. Mesmo que absolvida num rumoroso processo, a empresa acusada sofre terrivelmente com a publicidade negativa, o que acaba lhe causando outras dificuldades com seus consumidores, clientes e fornecedores, que se podem tornar propensos a reações agressivas. A expectativa de condenação atrai o interesse dos acionistas e investidores, colocando os principais administradores na mira de seus superiores hierárquicos e também na de analistas financeiros, o que os obriga, a todo tempo, a prestar esclarecimentos, quer em contatos privados, quer por intermédio da imprensa, quanto aos possíveis impactos de uma decisão desfavorável sobre os negócios. Mesmo vencendo o processo, isso não reparará os danos à imagem da empresa.

Embora seja possível, por meio da implantação de programas de compliance, reduzir a probabilidade da ocorrência de infrações, pode não ser factível evitar a violação da lei em todos os casos. Nessas ocasiões, o programa serve para atenuar a pena aplicável, reduzindo as multas impostas em razão da conduta ilícita. Um programa de compliance, “sério” e “efetivo” é inequivocamente um fator que demonstra a boa-fé do empresário, representando um esforço válido para evitar a prática de infrações legais e, como tal, deve ser considerado como um fator atenuante na aplicação de sanções.

Foi-se o tempo que administradores de empresas, envolvidos em infrações à lei penal, podiam almejar absolvição certa, no caminhar tortuoso dos processos criminais. O exemplo atual mostra que o rigor dos juízes tem sido até maior com réus provenientes das classes mais favorecidas. Esse tipo de risco é um importante fator de estímulo para o engajamento da alta administração da empresa na implantação do programa, tendo em vista seu interesse pessoal em evitar tal sorte de responsabilidade, especialmente diante da possibilidade de virem a ter de responder por atos de seus subordinados, cuja existência podem até mesmo ignorar. Não obstante, esse é também um incentivo desde a perspectiva da empresa, que responde pelos atos de seus administradores perante terceiros. Trata-se de mais um fator de redução das contingências apontadas no item anterior.

Um programa de compliance bem-sucedido, em muitos casos, permitirá à empresa ser a primeira a identificar a prática de uma infração legal. Essa pode ser uma valiosa oportunidade para pleitear-se a celebração de um acordo de leniência com as autoridades competentes. Casos há em que acordos da espécie somente podem ser celebrados com a “primeira empresa” que se dirija à autoridade pública para formular comunicação da infração. Mesmo quando disponíveis para candidatos subsequentes, os benefícios tendem a ser decrescentes, quanto mais demorar a empresa a comunicar a infração e a prontificar-se a colaborar com as investigações.

Sem prejuízo dos benefícios privados antes mencionados, há benefícios públicos a justificar o empenho das autoridades em prestigiar e incentivar a implantação desses programas. Isso porque a disseminação dos programas de compliance pode gerar um estado de atenção generalizada às normas legais, capaz de aumentar a sensação de eficácia social do sistema jurídico, provocando um efeito verdadeiramente profilático, no que diz respeito ao combate a comportamentos antissociais. Por meio de tais programas, o Direito faz-se presente no dia-a-dia das empresas, aumentando o nível de alerta dos agentes privados não só para os eventuais atos ilegais praticados no seio da própria empresa, mas também para aqueles que venham a ser praticados por terceiros, o que possibilita levá-los ao conhecimento das autoridades competentes, na defesa dos interesses daquele que os identifica. E o melhor é que tudo isso pode ser feito sem o dispêndio de recursos públicos, já que os programas de compliance devem ser custeados pelas próprias empresas que os implantam.

Essas rápidas pinceladas oferecem um apertado resumo do que é e de como dever ser organizado um programa de compliance. Como dito de início, prepare-se! Haja o que houver no curto prazo, o país jamais será o mesmo e os programas de compliance estão vindo para ficar.



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